Em 1856, nos fundos do Mosteiro de São Tomás, na cidadezinha de Brünn, na Alemanha, espraiavam-se 2 hectares de jardins, hortas e pomares pertencentes à Ordem Agostiniana. Ali o monge Gregório plantava ervilheiras com dedicação e cuidado desmesurados. Zeloso, ralhava quando outro monge, desavisado, escarafunchava nos seus canteiros. Todos diziam que Gregório era brilhante, apesar de um pouco introspectivo - e quiçá excêntrico. Tantos melindres tinham uma razão oculta. Os canteiros eram um experimento científico.
Entre 1856 e 1863, o monge cultivou e testou mais de 29 mil mudas de ervilha. Do cruzamento delas, descobriu a existência de regras para a hereditariedade. Ou seja, existiam nos seres vivos "unidades hereditárias" (que hoje chamamos de genes) de caráter dominante ou recessivo. Tais regras explicavam por quê, do cruzamento, algumas ervilhas nasciam amarelas e lisas e outras nasciam verdes e rugosas. O humilde Gregório - nome de ordenação monástica do austríaco Johann von Mendel - passou à posteridade como Gregor Mendel, o pai da genética moderna.
Sua monografia Versuche über Pflanzen-hybriden (Ensaios sobre a Hibridação das Plantas), de 1865, foi pouco lida na época. Gregório morreu na obscuridade, em 1884. Em 1900, seu trabalho foi redescoberto pelos cientistas Hugo de Vries, Carl Erich Correns e Erich von Tschermak. E o monge virou monstro da ciência. Hoje, o mosteiro no qual viveu parte da vida virou o Museu Mendel. É a maior atração turística de Brünn, hoje Brno, na República Tcheca.
É uma história e tanto. Mas ela pode não ser totalmente verdadeira. Em 1911, o matemático e estatístico inglês Ronald Aylmer Fisher levantou a hipótese de que Mendel manipulou seus dados. Apesar de ter anotado o resultado de milhares de cruzamentos de plantas, o monge só utilizou em sua monografia um número insignificante deles. "É curioso que os resultados de Mendel se encontrem, sem exceção, dentro dos limites do erro provável", disse Fisher numa conferência na Universidade de Cambridge. Na vida real, a obtenção de dados tão redondos é dificílima, giraria em torno de 16 para 1. Talvez o monge fosse muito sortudo ou então (e aqui a coisa se complica) "ele tenha descartado de forma inconsciente as plantas duvidosas", disse Fisher.
O caso faz parte de uma das faces menos edificantes da ciência: a das imposturas. Mais de um pesquisador sério e respeitado - e estamos falando de gente graúda, como Isaac Newton e Charles Darwin (veja os quadros) - plagiou, omitiu e arredondou dados, falsificou e manipulou provas ou inventou casos para sustentar suas teorias. Nem sempre fizeram isso de má-fé. "É no mínimo improvável que Mendel tivesse intenção de manipular seus dados", diz o historiador Federico di Trocchio, autor de Le Bugie della Scienza (As Mentiras da Ciência, inédito no Brasil). "Sua pesquisa não é de maneira nenhuma fruto de erros ou falsificações. Ainda é um monumento científico."
A história das fraudes científicas é antiga. Segundo Pablo Schulz e Issa Katime, respectivamente professores da Universidade Nacional do Sul (Argentina) e da Universidade do País Vasco (Espanha), ela começou já na Antiguidade, com o astrônomo e matemático Cláudio Ptolomeu (90-168). Para criar seu sistema geocêntrico, Ptolomeu usou os cálculos do cientista Hiparco de Rodes. Até aí, nenhum problema.
Malandramente, porém, Ptolomeu tomou os cálculos como seus. "A diferença de latitude entre Alexandria (cidade onde Ptolomeu morava) e Rodes, de 5 graus, deu a chave para saber a procedência das observações", apontaram Schulz e Katime. O aspecto do céu estrelado varia de acordo com a latitude - a descrição reivindicada por Ptolomeu não poderia ter sido feita em Alexandria, mas em Rodes. Em 1830, o cientista e matemático inglês Charles Babbage queixava-se de que a comunidade científica inglesa "tinha-se corrompido pela indolência e pelo favoritismo". Alertava que esse ambiente era o fermento ideal para a fraude.
Para o historiador Horace Freeland Judson, a conduta fraudulenta é fruto de "teias de cumplicidade" dentro da comunidade científica. Segundo ele, esse jogo costuma tomar quatro formas: a síndrome do prodígio, a arrogância do poder, a loucura a dois e a sedução ao mentor. A mais comum é a primeira. "O perpetrador é quase sempre charmoso e convincente, além de ambicioso", diz Judson em The Great Betrayal: Fraud in Science (A Grande Traição: Fraude na Ciência, inédito em português).
Goog post, good job! Carry on with it!
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