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Os Reis Taumaturgos.


Resumo “Os Reis Taumaturgos: O caráter sobrenatural do poder régio, França e Inglaterra” (Marc Bloch)

Os reis Taumaturgos, escrito pelo historiador Marc Bloch, se consolida a priori, como um livro de certa forma, cansativo, pois a quantidade de informações trazidas na obra são muitas; não é a toa que a obra se mostra como uma história de longa duração.
Partindo da idade média até o século XVIII, Bloch traz como ponto fundamental da sua obra histórica, como Burke afirma, a crença de que os reis da França e da Inglaterra tinham um poder curativo, miraculoso de, simplesmente, com o toque de sua mão real seguido do sinal da cruz, poderiam curar as escrófulas, doença vigente na Europa neste recorte histórico, pois o rei francês e inglês em um homem sobrenatural, de uma linhagem nobre, que era abençoado por Deus e por isso surgis como um curandeiro das doenças. Neste caso, as escrófulas, denominada de o mau régio, se mostra como a doença que os reis eram os responsáveis por sua cura.
Ao longo do livro, Bloch deixa transparecer de que essa crença, de que o rei tinha o dom curativo das escrófulas, se originou e bem posteriormente, de que forma essa crença aos poucos foi se tornando menos difundida até o seu fim.
A origem da cura das escrófulas, na idade média, se dá, segundo Le Goff no prefácio bem escrito da obra, a partir dos escritos de Pierre de Blois, um clérigo francês que vivia na corte do rei da Inglaterra Henrique II, no qual, De Blois atribuía ao rei inglês o feito da cura da peste inguinal que ocorrida no período.
Na Inglaterra acreditava-se que Henrique II poderia realmente curar os escrofulosos. Bloch afirma que este rito de cura inglês teria sido iniciado, provavelmente, por Henrique I, por certo mesmo, foi Henrique II que exerceu o papel de curandeiro; Henrique I se utilizou de s.Eduardo, aquele que teria “multiplicado as curas de escrófulas” (BLOCH, 1993. p.65) a fim de justificar o poder taumatúrgico de um nobre. A origem do toque régio inglês data do início do século XII na Inglaterra.
Já na França se dá a origem deste rito por volta do século XI, contudo, a prática da unção dos reis pelos sacerdotes da igreja católica ocorre tempos antes em 751, Pepino, resolve tomar para si o poder e as honras reais, desta forma ele era visto aos olhos dos súditos ainda como ser superior, pois os antigos reis eram vistos como tais; “Foi assim que Pepino se tornou o primeiro dos reis da França a receber a unção das mãos dos sacerdotes” (Idem.p.77), foi pela unção da divina providência que levou ao poder, leia-se ao trono.
O fim do século VIII viu a Inglaterra implantar a mesma prática de unção, de acordo com Bloch, talvez imitando o que ocorrera na França.
De acordo com Bloch o primeiro francês soberano com o dom curativo foi Roberto, o Pio, o segundo a representar esta nova dinastia Capetíngia. Roberto, o Pio, recebeu das mãos de seu pai Hugo, em 987, o título régio e a unção no mesmo ano em que foi legitimado o poder Capetíngio. Roberto, o Pio, tinha a fama de muito devoto, ao contrário de seu pai, Hugo, talvez, por esse motivo de devoção de Roberto, a crença de santidade real levou os súditos a atribuir dons taumaturgos ao rei, é o que Bloch propõe como hipótese.
Este dom miraculoso do rei Roberto, era indubitavelmente crente por ele e seus conselheiros, e assim, a corte francesa se esforçou para que fosse divulgada a fama de curandeiro do rei Pio perante a sociedade, logo os herdeiros do trono de Roberto não poderiam deixar este belo dom morrer, afirma Bloch. Desta forma, os herdeiros, assim como curavam igualmente a Roberto, também rapidamente se tornaram especialistas em uma determinada doença, neste caso, as escrófulas.
Esta legitimidade de linhagem sagrada real, não se desencadeou sozinha, afirma Bloch. Este direito a sucessão, só ocorreu devido a crença na existência de famílias sagradas e que esta santidade poderia ser transmitida hereditariamente.
Do lado inglês, os reis-médicos também foram uma realidade. De acordo com o autor, na Inglaterra o rito de cura parece ter sido iniciado bem posteriormente ao rito francês, nas palavras de Bloch: “Henrique Beauclerc, o primeiro de sua estirpe do qual sabemos ter tocado, começou a reinar em 1100. Naquele momento Roberto II, que parece ter sido o iniciador no rito na França, estava morto já havia 69 anos. Por tanto a anterioridade francesa não pode ser colocada em dúvida”.(p. 85).
A Inglaterra e a França foram os únicos reinados onde o toque real era praticado, afirma Burke. (BURKE, 1997.p.28) Logo, iniciava-se assim o rito do toque como um direito, ou melhor, uma benção da primogenitude real.
De acordo com Bloch, os reis-médicos foram levados a reproduzir as atitudes dos santos; isto é, a longa tradição da vida dos santos impregnados no meio religioso trouxe uma imagem de que os reis curandeiros eram, de qualquer forma, também santos.
Os símbolos religiosos faziam tornar legitima a crença de que os reis tinham o dom da cura. O sinal-da-cruz, que em geral era feito pelo rei sobre os enfermos ou suas feridas, tornou-se um sinal divino, no qual, o rei utilizava “aos olhos de todos” (p.92) para firmar o poder de Deus em seus atos, neste caso, o da cura. A água também era tida como “benta” a partir do momento que os reis tocavam-na com as pontas dos dedos, logo, esta água tocada pelo rei também tinha o poder curativo.
É através desta crença do dom curativo que a sociedade, tanto inglesa quanto francesa, torna legítimo o poder do toque, “languedocianos, bordolenses, bretões – por mais longe que vivessem de Paris eram, afinal de contas, todos franceses: é de seu rei que esperam receber a cura”. (p.102) E desta mesma forma flamengo, escoceses tornavam legítimo as “bênçãos” de seus monarcas.
O toque real tornou-se em ambos lados do Canal da Mancha “um lugar-comum medical”(p.19) Logo, de acordo com Bloch, o problema das escrófulas era tratado com a seguinte máxima: “Ide ao Rei” (p.109).
Qual a posição da igreja quanto ao dom curativo dos reis? A igreja católica reconheceu que os reis eram protecionistas desta, que eram difusores do cristianismo e amigos da justiça divina, mas, a Santa igreja jamais afirmou tal santidade aos reis, pois, em nenhum momento estes curaram leprosos ou fizeram cegos enxergar, assim, de modo algum a igreja afirma que estes reis tenham exercido qualquer tipo de milagre. Deste modo o papa Gregório VII que não há santidade nos reis temporais.
A luta entre a França e a Cúria romana, no reinado de Filipe, o Belo, trouxe aos apologistas da monarquia um apelo maior para a fé no milagre régio. Como a igreja, desde Gregório VII, não assinalava que o rei fosse santo e detentor do dom do milagre esta luta entre a monarquia e seus conselheiros se acirrou.
A divulgação escrita do milagre régio foi uma estratégia dos apologistas desta a fim de legitimar a força do toque régio. Carlos de Anjou, irmão de s. Luis, capetíngio, que tornou-se rei da Itália, também reivindicou o poder taumatúrgico; num dos escritos deste, ele , ao afirmar que a realeza vem de Deus, propõe a teoria da origem divina, no qual a origem divina é firmada através do exemplo de alguns bons príncipes católicos e mebros da Santa igreja, assim, os reis possuem o dom sobre os doentes, em particular os escrofulosos.
A França fez da escrita, no reinado de Carlos V, século XIV, um uso mais extenso desta publicidade.
Esta busca a exaltação do milagre régio, através da publicidade, escritos dos conselheiros, etc, busca reforçar de todas as formas, prestigiar o poder sobrenatural da dinastia capetíngia. Em momentos de crise, seja na Inglaterra ou na França, quando estava abalado o poder real, a estratégia para a dinastia tomar força, entre outras, era recorrer à exaltação do poder taumatúrgico do soberano.
Jean Golein, escritor oficial da monarquia de Carlos V, fazia legitimar o poder santo do rei a partir da comparação entre os santos e os reis, “...só Deus faz milagres. Sem duvida. Mas não exageremos a humildade do príncipe e de seu porta – voz. Pois Golein teve o cuidado de recordar-nos de que essa incontestável verdade teológica era valida tanto para os santos quanto para os reis taumaturgos: tanto para uns quanto para outros, é a virtude divina que agem quando eles realizam prodígio.” (p.120) é deste modo, buscando verdades teológicas e dogmas, que os conselheiros reais buscavam dar força ao dom taumatúrgico, assim, nada melhor para o orgulho do monarca que ser comparado a um santo ou aos santos.
Este dom taumatúrgico é, de certa forma, reivindicado por outras dinastias européias. Por exemplo, na Espanha, o bispo Alvarez Pelayo não se fazia crente nos poderes dos reis inglês e francês, contudo propunha que “os piedosos reis da Espanha”(p.127) possuíssem virtudes iguais as dos reis francês e inglês, pois, ele mesmo afirma que viu o rei Sancho IV (reinou de 1284 a 1295) livrar-se de um demônio que se encontrava no corpo de uma mulher, o gesto teria sido, assim, um dom divino, e por isso a reivindicação do dom aos reis da Espanha.
Nota-se aí, e Bloch propõe bem, uma tentativa de imitação de um rito que se iniciara na França e depois na Inglaterra, haja vista que muitos espanhóis se deslocavam até a França em tentativa de serem curadas. Há de se pensar, o porque o milagre régio se deu somente na França e Inglaterra.
O autor afirma que características particulares fizeram com que apenas estes estados fundamentassem este tipo de prática. Ambos ritos causaram ciúme em certos conselheiros, que reivindicavam a seus soberanos poder igual. Circunstâncias particulares foi o que legitimou o rito inglês e francês, no qual, a peculiaridades dos rito, gênios individuais, permitiu que o rito fosse difundido nos dois países, em contraponto as outras dinastias européias.
Para a oficialização real do ato, a unção se fazia muito importante. “A unção era o ato régio por excelência” (p.153). Neste caso, a unção régia era aplicada com a mesma validade, ou o mesmo termo, que se empregava na ordem sacerdotal. Deste modo, no século XIII a teoria católica mudou os sacramentos, excluindo-se assim a unção régia.
Esta unção tinha um caráter simbólico quase sacerdotal, segundo Bloch, pois, a cerimônia de sucessão real, realizada pelo Papa, é por pouco uma cerimônia de ordem sacerdotal, no qual, o Papa entrega a dalmática, a túnica, o pluvial, a mitra, o calção e as sandálias (p.156). Assim, o Papa transforma o rei em um subdiácono, no qual “a partir do século XIII, os ordines de coroação testemunham um esforço muito nítido para assemelhar a situação eclesiástica do chefe temporal da cristandade à de um diácono ou, com mais frequência, a de um subdiácono” (p.157).
Então, este caráter sacerdotal que a cerimônia ganhava, fazia traduzir-se o rei enquanto um soberano legitimamente sobrenatural.
Os imperadores ocidentais, a partir do século XIV, desejavam fazer funções diaconais, ao menos em datas festivas, assim era latente o prestígio que os imperadores como um ser privilegiado, isto causava certa inveja em algumas dinastias. Esta sagração não se consolidava como um único ato quase sacerdotal dos reis, na sua sagração, o ato de comungar em duas espécies restrito a bispos e padres, não se aplicou a tais soberanos.
A era moderna para os países que ainda vigorava o toque real, trouxe problemas de crença, pois, com a reforma os protestantes viam com maus olhos os milagres que a sociedade atribuía aos santos, logo, colocavam em cheque o pioneirismo do toque régio, na França com s.Marcoul e s.Eduardo na Inglaterra. Isto trouxe conseqüências graves para ambos reinados, “os privilégios dos reis foram submetidos a um tremendo ataque; entre ele estava o privilégio taumatúrgico” (p.226). Cada crise do dom foi encarada de forma peculiar em cada estado, no entanto, foi na Inglaterra que a reforma se mostrou mais influente.
Na Inglaterra, Elizabete, não deixou de auxiliar os escrofulosos, limitando-se somente das orações sobre a Virgem Maria e transpôs para o dialeto inglês o que era falado em latim. Jaime I da Inglaterra quase acabou com o rito do toque, de início ele somente pediu para ser dispensado da cerimônia, contudo, o primeiro toque do novo rei inglês foi uma cerimônia no qual ele omitiu o sinal-da-cruz sobre o enfermo, quebrando assim com a tradição; Jaime I buscava, com essa cerimônia, somente cumprir um papel tradicional, no qual era chamado a fazê-lo, muito a contragosto, afirma Bloch.
O epílogo do rito inglês se consolidou a partir da mudança de mentalidade dos intelectuais da era moderna. Jaime II não deixou de praticar o rito do toque na Inglaterra; Jaime III, mais pressionado pelo teor racionalista dos intelectuais sobre a prática supersticiosa do toque, não deixou de tocar os doentes.
Carlos Eduardo Stuart triunfara como representante da dinastia dos Stuart, este não se denominava rei, e sim, representante dinástico, herdeiro de seu pai Jaime III. Carlos Eduardo manteve o rito do toque até sua morte, que seu sucessor, seu irmão, o cardeal de York, assumiu o poder e deu continuidade ao rito curativo. O golpe mortal para o fim do rito inglês do toque se consolida com a morte da dinastia dos Stuart, com Henrique IX, assim, com a morte da dinastia morre também o dom miraculoso do toque de cura real.
Passemos para o outro lado do canal da Mancha. O ano de 1789, na França , foi o ano derradeiro para o dom miraculoso real, de acordo com Bloch, “...chegou o momento (em 1789, segundo todas as probabilidades) em que Luis XVI precisou renunciar ao exercício do dom maravilhoso, como a tudo o que fizesse lembrar o direito divino” (p.261). Então, na França o ideal do racionalismo, ou Iluminismo, fez com que o direito divino do rei enquanto taumaturgo fosse tido como uma prática supersticiosa.
Para melhor entendimento da morte do rito do toque em ambos países, não há melhor, pra finalizar, do que as próprias palavras do autor:
“o toque das escrófulas desapareceu na França mais tarde que na Inglaterra; mas, diversamente do que se passou além-Mancha, entre nós ele deixou de ser praticado quando a fé que sustentara o rito durante tão longo tempo havia ela própria quase perecido e estava bem perto de perecer por completo. Sem dúvida, por vezes ainda se farão ouvir as vozes de alguns crentes tardios” (p.263).

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